domingo, 18 de abril de 2010

À tia Flora que Floreia o infinito



"Índia seus cabelos nos ombros caídos
negros como a noite que não tem luar
seus lábios de rosa para mim sorrindo
e a doce meiguice desse seu olhar
Índia da pele morena
Índia, sangue tupi, tem o cheiro da flor
Vem, que eu quero te dar
Todo meu grande amor
Quando eu for embora para bem distante
e chegar a hora de dizer adeus
Fica nos meus braços só mais um instante
Índia levarei saudade da felicidade que você me deu
Índia, a sua imagem
sempre comigo vai
Dentro do meu coração, flor do meu Paraguai"

Este dia é especialmente dela! =~ (19/04)

sábado, 17 de abril de 2010

Traduzir-se




"Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?"


Ferreira Gullar

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Esquadros



"Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?"

"Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!

Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...

Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?"

AUTO-RETRATO



"No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Terminado por um louco!"


Mário Quintana


Por vezes a pintura é bruxa, por vezes, fada!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Olhe ao redor


"Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós.
Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos.
Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada.
Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.
Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível.Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa.
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz.
Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia".
Clarisse lispector

Eu sei, mas não devia




"Eu sei que a gente se acostuma.


Mas não devia.


A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.


E porque não tem vista logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.


E porque não olha pra fora, logo se acostuma a aceder cedo a luz.


E à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.


A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.


A tomar café correndo porque está atrasado.


A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.


A comer sanduíche porque não dá para almoçar.


A sair do trabalho porque já é noite.


A cochilar no ônibus porque está cansado.


A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.


A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone.


Hoje não posso ir.


A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.


A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.


A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.


E a lutar para ganhar dinheiro com que pagar.


E a pagar mais do que as coisas valem.


E, a saber, que cada vez pagará mais.


E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.


A gente se acostuma à poluição.


Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.


À luz artificial de ligeiro tremor.


Ao choque que os olhos levam na luz natural.


Às bactérias da água potável.


A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.


Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.


Se a praia está contaminada a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.


Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.


Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana.


E se no fim de semana não há muito que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.


A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.


Acostuma-se para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito.


A gente se acostuma para poupar a vida.


Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesmo".


Clarisse Lispector.



Reaprendendo-me, sempre!